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Introdução

A Igreja Metodista organiza o seu tempo litúrgico a partir dos eventos que coloriram a história do povo de Deus, conforme as muitas narrativas registradas na Bíblia. Um desses eventos, de cor avermelhada, é o Pentecostes.

Nosso objetivo neste estudo é o de aprofundarmos algumas inquietações sobre este importante período de nossa vivência cristã. Esperamos que, mediante a celebração de Pentecostes, os bons ventos direcionados pelo Espírito Santo favoreçam uma nova significação para a vivência de todas as gentes que anseiam por renovação em tempos difíceis.

 1. Vivemos um tempo de solo gelatinoso.

No chamado ambiente pós-moderno ou modernidade tardia, nos deparamos com um terreno nada sólido, marcado por experiências que aproximam e afugentam continuamente as pessoas, em geral. Trata-se de um tempo de confusões em todas as esferas da vida social, política e religiosa.

Focando sobre o campo do religioso, surgem-nos dúvidas e inquietações, as mais diversas, especialmente porque o nome de Deus é usado de forma indevida, e em vão. O pior é perceber a quantidade de líderes religiosos, arautos das soluções fáceis e mágicas, que vão paulatinamente povoando os mais diversos ambientes religiosos com seus discursos inchados de blasfêmias. Em tais ambientes, onde o sagrado ganha certa notoriedade, uma diversidade de conceitos absurdos configura o universo reflexivo dos desentendidos e encantados com discursos e respostas fáceis.

Nesse terreno propício às polivalentes argumentações, duas tendências logo se alastram: não crer em mais nada ou misturar convicções religiosas distintas em um mesmo balaio. Há muitas pessoas que, na atualidade, se encontram à margem do caminho religioso. Elas não creem mais no que criam. Não se sentem mais pertencentes a nenhum nicho com ênfase religiosa e assumem uma espiritualidade estritamente singular, segundo a máxima: “O que vale é o que eu sinto e que eu vivo em minha pessoalidade. Até creio em Deus, mas isto não me faz diferença”. Em alguns casos, as pessoas deixam inclusive de crer, como já dissemos.  Por outro lado, existem pessoas que misturam todo tipo de experiência religiosa tecendo para si uma experiência única e indivisível. Para exemplificarmos, sabemos de pessoas que se dizem cristãs e acreditam em um mundo povoado por espíritos, ou então, que se inserem em diversas comunidades religiosas com o intuito de gerar novos significados e significantes.

Em nossa concepção, diante dessas duas perspectivas polarizadas, torna-se fundamental adotar de um procedimento dialético. Nem tanto ao céu. Nem tanto a terra. É fundamental uma experiência de Deus marcada pela plenificação da vida através dos dons do Espírito, segundo a lógica: coração aquecido e mente esclarecida.

2. Em um ambiente gelatinoso, surge a pergunta!
Estamos no centro da celebração de Pentecostes. À princípio essa era uma festa de tradição judaica, reconhecida como festa das tendas. Todavia, vamos nos ater aos aspectos relacionados ao texto de Atos. De antemão, torna-se fundamental, com o olhar fixo na contingência existencial e na nossa relação com este mundo estranho e inusitado, refletirmos, pausada e singularmente, em nossa particular expressão confessional. Todavia, nesse movimento entre o coração aquecido e a mente esclarecida, o Pentecostes não pode se configurar como uma espécie de paradigma exclusivo, mesmo porque este tempo não tem por finalidade oferecer as respostas prontas e acabadas. No ciclo do Pentecostes, precisamos nos situar em meio às novas perguntas! São elas que nos posicionarão diante da experiência do Espírito neste tempo de múltiplas e rápidas transições.
A narrativa que envolve o evento caracterizado pela descida do Espírito Santo, em Atos dos Apóstolos, no capítulo 2, nos coloca frente a novas perguntas. O texto bíblico em evidência pergunta pelo significado do Pentecostes. De fato, as perguntas são os elementos que alimentam a fé. Percebemos muitos grupos definindo o que são ou o que virão a ser. O Pentecostes requer perguntas, como por exemplo, a pergunta central: “O que vem a ser isso?” Esta pergunta é uma pergunta atemporal! Ela deve ser levantada continuamente e interpretada à luz da própria experiência e cultura de cada tempo, sem a pretensão de uma resposta pronta e acabada.
Nessa perspectiva, vejamos algumas interessantes tonalidades que esse relato nos apresenta:
a. O evangelista Lucas, possivelmente autor do livro de Atos, na composição do seu relato, pode ter se inspirado na antiga narrativa alusiva à torre de Babel, conforme o livro de Gênesis, capítulo 11. Se nossa intuição, relativa a este paralelo, estiver correta, então outros paralelos nos serão bem aprazíveis; 
b. Em Babel, os homens constroem uma torre para se achegarem a Deus. No cenáculo, onde estavam reunidos(as) os(as) discípulos(as) de Jesus, Deus, através do Espírito Santo se achega aos seres humanos;
c. Em Babel, a língua comum dos seres humanos é confundida por Deus, gerando novos dialetos. No cenáculo, Deus alinha as línguas das pessoas, criando uma linguagem universal;
d. Em Babel, os seres humanos buscam a fama, o poder e o reconhecimento. Querem que seus nomes sejam céleres. No cenáculo, os(as) discípulos(as) se deparam com o poder do amor.

Entendemos que a experiência no campo da espiritualidade, além de ser uma experiência individual, é também coletiva. Essa é uma forte herança wesleyana em sua ênfase no Evangelho Social. No caso das experiências individuais, cada uma delas precisa ser profundamente respeitada, por se tratar de uma percepção específica da pessoa em relação a Deus. Cada pessoa possui uma forma de recepcionar a experiência de Deus. Todavia, no campo comunitário, é a somatória das experiências díspares que favorece a possibilidade de responder à pergunta em questão: “O que vem a ser isso?”
Nessa dimensão comunitária, o problema que averiguamos refere-se à categoria repetível do movimento. Existem grupos que querem estabelecer uma mesma forma de experiência para todos(as), valorizando-se o fenômeno em detrimento da experiência, seja ela pessoal ou comunitária. É importante que se diga que não há nenhuma experiência na dimensão do Pentecostes que seja única. Tampouco, nenhuma experiência subjetiva superior às outras. Toda experiência é válida e deve ser respeitada, desde que não fira a ética e a dignidade das pessoas próximas.
Nessa linha de reflexão, podemos agora inferir sobre a pergunta e as respostas que Pedro procura evidenciar no contexto de seu sermão. As respostas têm por base três dimensões fundamentais:
1. Base nas Escrituras: na tentativa de responder a pergunta pelo significado do evento ocorrido na festa de Pentecostes, Pedro recorre primeiramente às escrituras. Todo o roteiro aplicado por ele em seu sermão segue as linhas argumentativas das Escrituras – o Pentateuco, os livros proféticos e os sapienciais. É pelas linhas das narrativas bíblicas que Pedro busca e encontra referências sobre o novo evento que acabara de ocorrer sobre a vida dos presentes no cenáculo de oração;
2. Base na ação de Deus na vida de Jesus: no segundo momento, Pedro vai encontrar em suas experiências como discípulo de Jesus novas interlocuções para entendimento do que aconteceu. Os versículos que aludem à experiência vívida de Jesus podem ser interpretados à luz daquele que leu as Escrituras, evidenciando a linguagem do amor na dimensão do Reino de Deus;
3. Base na doação do Espírito pelo próprio Jesus: em último lugar, Pedro se apoia nas promessas evidenciadas por Jesus de que após a sua saída de cena, o Espírito Santo – a plenitude do amor de Deus – evidenciaria a memória de tudo o que Jesus fez e realizou na dinâmica de sua obra e ministério. A vinda do outro consolador, conforme João 14. 15-17.

Conclusão
Diante do que expusemos, o Pentecostes é um evento a ser recriado pela nossa experiência mais aprofundada, tanto pessoal como comunitária. Mais do que dizer como ela é, precisa ser questionada. As perguntas são mais fundamentais que as respostas. “O que vem a ser isso?” precisa ser reinterpretado à luz dos tempos atuais, diga-se de passagem, gelatinosos, e a cultura em que estamos inseridos. O Pentecostes é sempre uma dinâmica de vida que alinha na celebração o coração aquecido e uma mente esclarecida.

Moisés Coppe
Teólogo de tradição metodista

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