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O OLHAR DE QUEM SABE AMAR

- Telma Cezar da Silva Martins

Os textos de Mateus 7.1-5 e Lucas 6.37-42 nos ajudam a refletir sobre o tema do julgamento e de como podemos (re)organizar, a partir dos ensinamentos de Jesus, essa “mania” que temos de julgar as pessoas. Chamamos de mania, porque é comum nos pegarmos julgando alguém. O nosso olhar é formatado pelas diferentes formas de enxergar as pessoas, e, ao olharmos para elas, automaticamente julgamos. A prática do julgamento é uma característica humana e precisa ser cuidada. O texto de Mateus 7.1 é incisivo: “Não julgueis, para que não sejais julgados”. No entanto, Jesus continua essa exortação apontando para o critério e a medida com que julgamos (v.2).

A orientação de Jesus é que olhemos para nós mesmos e reorganizemos os nossos critérios para essa análise/avaliação que, com certeza, fazemos em nossos relacionamentos. Seremos julgados com os mesmos critérios, e na medida em que julgamos. O texto bíblico segue ainda orientando sobre a necessidade de examinarmos e avaliarmos com cuidado e atenção: “Acautelai-vos dos falsos profetas, que se apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores” (Mateus 7.15).

Portanto, é prudente que tenhamos cuidado com os nossos julgamentos, pois, se Jesus “não está falando sobre evitar toda forma de julgamento”, ele está “nos exortando a fugir da tentação de desenvolver e manter um espírito de crítica e de julgamento negativo. Ele está falando da nossa tendência de condenar as pessoas” (Lopes, 2010, s/p). O texto de Lucas 6.37 nos recomenda a não julgar, para não sermos julgados, a não condenar, para não sermos condenados e a perdoar, para que sejamos perdoados(as). E, segue, nos versículos 39-42, apresentando a parábola do cego que guia outro cego. Essa recomendação se estende, pois somos chamados(as) a caminhar em direção às pessoas; e o desafio maior está em nos disponibilizarmos a tirarmos a trave de nossos olhos para podermos nos sentir livres e ajudar as pessoas a tirarem o argueiro de seus olhos também.

Tanto Lucas 6 como Mateus 7 falam em argueiro e trave. Qual é a diferença entre essas duas palavras? Argueiro é uma pequena partícula de qualquer coisa seca e trave é uma viga de madeira grossa e comprida. É fácil imaginar a diferença de uma pequena partícula em contato com os olhos, causando irritação, embaçando parcialmente a visão, da presença de uma trave limitando totalmente a visão. Jesus adverte aqueles que julgam o próximo sem olhar para a trave em seu próprio olho, chamando-os de hipócritas, atitude mencionada a algumas práticas dos fariseus (Mateus 23.24-26).

A parábola do cego que guia outro cego, contada por Jesus para advertir Seus discípulos e discípulas traz dois aspectos importantes: a coerência e o ensino. Somos chamados(as) a viver com coerência, pois sabemos que as atitudes ensinam mais que a fala. É preciso cuidar para não sermos incoerentes, apresentando uma fé esvaziada de prática. Alguns dos critérios que estabelecemos ao julgarmos, numa perspectiva negativa da palavra, são: a necessidade que temos de nos sentirmos “donos da verdade”; nossa atitude de julgarmos antes de verificar os fatos; tirarmos conclusões erradas, a partir de pré- conceitos normatizados socialmente. Tais critérios têm contribuído para que, na maioria das vezes, a gente olhe, mas não enxergue de fato, pois o nosso olhar está embaçado e limitado por conceitos forjados a partir dos muitos estereótipos aceitos e reproduzidos socialmente.

Podemos entender que Jesus convida a tirarmos a trave de nossos olhos para enxergar para além daquilo que estamos acostumados a ver. O nosso olhar para as pessoas está condicionado à forma como socialmente as diferentes pessoas estão sendo representadas. Muitos são os motivos que se colocam como traves em nossos olhos e nos impedem de olhar ou direcionar o nosso olhar para a prática do “juízo temerário”2 . Neste texto, queremos apontar para o preconceito racial e a prática do racismo. Historicamente, o olhar direcionado à população negra tem sido sustentado por estereótipos que negativam as características físicas de homens e mulheres negros(as).

Ao olharmos para as pessoas negras, as enxergamos através desses estereótipos e passamos a julgá-las mediante esses conceitos. Por exemplo: partimos sempre do princípio de que a criança negra, principalmente os meninos, são mais bagunceiros, têm tendência à desobediência e a atitudes violentas, não são inteligentes; em relação as meninas negras, subentendemos que elas não têm condições de estarem em papéis de liderança, ou serem referência positiva para as demais meninas.

Com isso, não utilizamos os mesmos critérios e nem a mesma medida para olhar, cuidar, empoderar e demonstrar afeto para as crianças negras e não negras. Há muitos entraves que circundam as nossas atitudes e nos impulsionam a um julgamento desmedido. Como cristãos e cristãs, somos convidados(as) a tirar a trave ou o argueiro de nossos olhos e olhar para as pessoas, livres de julgamentos estabelecidos por preconceitos; até porque, a cor da pele ou demais características físicas não podem ser elementos fundantes na legitimação (ou não) dos nossos relacionamentos.

Quando nossos passos estão firmados na fé em Jesus Cristo, relacionamo-nos com as diferentes pessoas sem julgamentos, estamos disponíveis para o diálogo, para o respeito mútuo, pois fluem em nós, atos de bondade, misericórdia, amor e justiça.

Referências:

LOPES, J. C. O argueiro e a trave (Mateus 7. 1-5) 

SILVEIRA, M. R. Os dois cegos: a parábola do cego que guia outro cego (Lucas 6.39-42). Sinodal. 2015.(p.80-82). 

CÉSAR, E. O equilíbrio entre o juízo temerário e o discernimento espiritual.  

O texto compõe o material de apoio para celebração do Dia da Consciência Negra e para reuniões que abordem o tema do combate ao racismo. As atividades são voltadas para crianças e pré-adolescentes. Faça download gratuito do material abaixo e acesse todos os links com referências e sugestões de outros materiais.

Fonte Original: http://www.metodista.org.br/dia-da-consciencia-negra-o-olhar-de-quem-sabe-amar-246

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